sábado, 15 de junho de 2024

Reminiscências em ritmo das Romarias

Os rosários enchem de cor os balaios nas festas de S. João. Esses colares (rosário) são feitos com matéria prima diversa, desde farinha de trigo na confeção de roscas pequenas e pãezinhos também pequenos a mancarra e midge ilhód (mais modernamente pipocas), nos quais se enfia um fio de linho, costuma ser nylon e entre os elementos comestíveis se coloca tiras de papel colorido onde cada pessoa que faz o rosário põe o seu estilo

Pequenas coisas que me fazem lembrar pedaços da minha infância. Nha Djodja era comadre da minha avó e ela fazia rosários, bolos, cavacas, bolos de mel, roscas, docinhos de côco, pastéis, croquetes e um monte mais de petiscos e guloseimas. Costumavam chamá-la para fazer bolos de mais de um andar para festas de casamento e ela fazia o buffet completo, desde petiscos ao resto. Ela é que fez as coisas para a festa de casamento da minha mãe com o meu padrasto.

Nha Djodja era muito conhecida pelo seu trabalho. Todos os anos ela ia à Ribeira de Julião e tinha lá a sua mesa e vários balaios coloridos com rosários e também rosários pendurados. Vendia refrescos e aquele groguinha e torresmos, tchurice e linguiça, pontche também não faltava. Todos os anos eu ia com a minha mãe e meus irmãos à Ribeira de Julião e um dos pontos de paragem obrigatória era na Nha Djodja, ela costumava ficar logo à entrada da zona de festas. Também íamos à barraca da tia Vitória onde também havia rosários e serviam milho em grão, bebidas e bafas (petiscos). A Didida, minha tia por afinidade também vendia rosários e um famoso pastel de milho e também vendia grogue, tchorresc (torresmo), pontche e refrescos. Também costumávamos comprar nela. A Didida ia sempre acompanhada do seu marido o Ti Júl, um exímio tocador e fazedor de tambores, as vezes assistia o Ti Júl a fazer tambores.

Várias outras mulheres aproveitavam o dia de S. João para aumentar o rendimento da família e montavam barracas ou se instalavam num espaço com os seus balaios onde quase nunca faltavam rosários.

A minha mãe comprava um rosário para cada um de nós na Nha Djodja e lá íamos com os nossos coloridos colares ao pescoço.

Que me lembre, a primeira vez que vivenciei a experiência de uma festa de S. João eu tinha na altura sete anos de idade. Foi em Porto Novo, Santo Antão. A minha tia (casada com o irmão da minha avó) que lá morava, convenceu a minha mãe que me deixasse ir com ela. Também foi a primeira vez que saí de S. Vicente. Viajamos no navio Carvalho. Segundo dizem esse navio era mais estável, dava menos balanço. Acho que fui marinheiro nessa viajem, pois não enjoei. Quando chegamos em casa o que mais me surpreendeu foi a sua situação. Ficava a poucos metros do mar, em certas horas as ondas desquebravam e salpicos de água salgada chegavam à varanda. Levei algum tempo para me habituar, pricipalmente no momento de dormir.

Chegou o dia de S. João. Muitas pessoas vindas de longe se alojaram na casa dos meus tios. O filho mais jovem deles me levou a passear por Porto Novo e eu fiquei impressionado com essa enchente de gente e com os tamboreiros e todo esse colorido dos Rosários e as pessoas colando Sanjom ao ritmo cadenciado dos tambores, mulheres e homens movendo-se graciosamente entre recuo e avanço em cadência de quatro: um, dois, três... e quatro cola na pic, no quarto tempo o par avança a pélvis e as zonas púbicas se tocam, repetindo de novo essa cadência. Muitos se entram aparentemente num estado de transe, coladeiras e tocadores todos exibindo os seus Rosários nos movimentos cadenciados do tocar e colar.

Meu jovem tio me comprou um Rosário e fomos passeando de mesa em mesa e de barraca em barraca comprando guloseimas e bebendo calda fresca de cana de açúcar e bandói. Eu considerava o bandói um simples refresco, mas após alguns copos comecei a sentir um certo efeito. Ao chegarmos em casa meus tios ralharam com ele. Depois vim a saber que o Bandói era feito da calda de cana de açúcar com o qual faziam grogue.

Eu adorava essas festas e essa experiência no Porto Novo coloriu a minha infância. Hoje ainda vou às festas de romaria e ainda costumo comprar rosários e como que continuando uma tradição agora compro para mim e meus filhos.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Sou da Geração da Banda Desenhada

Tema futurista, intuitivamente criando Wearable things, prevendo wearable technology, tira 1
  • Ano: 1988
  • Tema futurista, intuitivamente criando Wearable things, prevendo wearable technology
  • Autor: João G. da Graça

Sou da geração de 60. Muitos adolescentes da minha geração cultivavam a leitura das BD.

A primeira vez que tive contacto com a Banda Desenhada eu teria nessa altura 7 anos de idade. Fiquei encantado com um livro em BD que um meu tio (primo em primeiro grau da minha mãe) tinha levado para casa. O livro se intitulava “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”. Ali começou tudo para mim em termos de BD.

Na altura eu nem pensava que eram figuras desenhadas por pessoas que tinham muita habilidade em desenho e eu absorvia mais as imagens do que o conteúdo escrito. Mandava o meu tio ler a história para mim e até passei a acreditar na veracidade dela e resolvi me armar em Ali Babá e testar o “Abre-te Sésamo" na rocha do Gud em Alto Solarine/Forca. Ficava à frente da rocha e gritava: ABRE-TE SÉSAMO! E ficava ali especado à espera de que alguma coisa acontecesse.

O tempo foi passando e me fui alienando ainda mais com essas histórias e os meus heróis preferidos nessa altura eram o Homem Aranha e o Tarzan. Estava a tal ponto alienado que até fazia os gestos de enviar a teia do Homem Aranha e imitava os gritos de Tarzan e emitia os gritos dos macacos “Tarzan Bundolo”, muitos adolescentes gostavam das histórias do Tarzan e brincávamos nas raras árvores existentes nas redondezas entre Largo da Paz, Alto Miramar e Pracinha do Liceu logo atrás do atual Palácio do Povo.

Tema futurista, intuitivamente criando Wearable things, prevendo wearable technology, tira 2
  • Ano: 1988
  • Tema futurista, intuitivamente criando Wearable things, prevendo wearable technology
  • Autor: João G. da Graça

Foi nessa altura que comecei a prestar atenção aos desenhos, na beleza dos cenários, nos personagens e absorvia vinheta a vinheta cada página. Aí comecei a ter uma vaga noção de todo o trabalho envolvido na criação de uma história aos quadradinhos.

Dentro do género da Selva para além do Tarzan havia o Kalar, Zembla, Tamar e Akim.

Mas também ficava maravilhado com os super heróis como Flash Gordon, Thor, Super Homem, Elektra, Batman, Iron Man, Capitão América e outros.

Também os Westerns faziam parte do meu mundo em Banda Desenhada com Billy the Kid, Buffalo Bill, Kit Carson, Lucky Luke, Bonanza e também histórias de piratas com o Capitão Drake e outros.

O mundo Disney também não ficou de fora. Curtia imenso os personagens Professor Pardal, Zé Carioca, Pateta, Tio Patinhas, enfim, quase todos. Ler esses BDs era riso garantido.

Alguns anos se passaram, eu já ia procurar os meus livros aos quadradinhos e comprava principalmente nas Livrarias do Leão e Belart juntamente com meu irmão Carlos que também era um fervoroso leitor de banda desenhada e trocávamos com outros rapazes (digo rapazes porque na altura as meninas liam mais as fotonovelas e Walt Disney). Os rapazes liam fotonovelas mais como uma forma de traçar uma ponte, uma forma mais de aproximação. Uma das pessoas da zona Alto Solarine com quem mais trocava livros era o Junzim de Nhô Chiquim. este era mais velho e tinha também muitos livros e funcionávamos na base de troca e empréstimos e com ele mantinha muito diálogo. Também havia um outro amigo da zona com quem trocávamos livros, o Nhau, outro fominha por BD.

A vida também é feita de romance, tira 1
  • Ano: 1988
  • A vida também é feita de romance
  • Autor: João G. da Graça

Recebíamos muitos livros quando o nosso padrasto (ele era imigrante) vinha de férias e nos trazia livros de Portugal. Eu e meu irmão resolvemos colecionar livros e nos tornamos sócios até um dia em que nos desentendemos e brigamos por causa dos livros. Tínhamos duas caixas de cerveja Sagres cheias de livros e após a briga a nossa mãe deu um sumiço neles e assim acabou-se o nosso império.

Nós os leitores ficávamos encantados com os personagens e por vezes discutíamos qual herói era o maior ou qual personagem mais gostávamos.

Muitos de nós já nos conhecíamos, seja por nos termos encontrado no Liceu ou na Escola Técnica EICM. Eu estive nestas duas instituições de ensino EICM e Liceu Gil Eanes nome da instituição nos inícios de 1970 e muitos dos leitores eu já conhecia pois costumávamos comentar e trocar livros. Falando nisso, me veio à memória algo interessante ocorrido nessa época; Ia a caminho da Escola Técnica por volta das 7 e qualquer coisa da manhã, tinha eu na altura 16 anos e à minha frente iam três estudantes também da mesma escola e discutiam sobre a veracidade da existência do Tio Patinhas e do Donald. Um deles perguntou ao outro: então queres dizer que o Tio Patinhas não existe? Nem o Donald? Sorri ao de leve porque essa conversa entre os estudantes me fez fazer uma viagem no tempo, no período em que eu também acreditava na existência física desses personagens e que nem pensava neles em termos de ficção. Nesse momento entendi o valor de ser-se mais velho, eu já tinha ultrapassado aquela fase.

A vida também é feita de romance, tira 2
  • Ano: 1988
  • A vida também é feita de romance
  • Autor: João G. da Graça

Os lugares onde habitualmente comprávamos livros eram na Papelaria e Livraria do Leão situada na altura na rua Senador Vera-Cruz e na Livraria Belarte também situada nessa mesma rua sendo a primeira no início da rua para quem se encontra na rua de Lisboa e a última no final dessa mesma rua perto da Galeria Nhô Djunga. Mas também comprávamos na Papelaria do Toi Pombinha ao lado da Câmara Municipal na atual rua António Aurélio Gonçalves.

Tínhamos até um ponto que de forma natural foi-se convertendo num ponto de encontro dos fãs de BD. Esse local era à frente do Mercado Municipal de Mindelo onde a malta se amontoava ávida de leitura.

A protecção do meio ambiente, tira BD 1, A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Ano: início de 1990
  • A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Autor: João G. da Graça

Uma das razões que levavam o pessoal a se encontrar junto ao Mercado Municipal era a existência de um quiosque dirigido por uma senhora de nome Judite (morava na minha zona) que vendia livros de histórias aos quadradinhos usados, pessoas que liam e vendiam a um preço normalmente inferior ao preço da compra inicial ou será que foi o contrário: os leitores passaram a encontrar-se à frente do Mercado Municipal e a D.ª Judite que tinha o quiosque onde vendia outros artigos resolveu aproveitar aquela dinâmica dos leitores de BD para comprar e vender livros em segunda mão. Bem, não importa! O importante é que havia um lugar onde religiosamente o pessoal se encontrava para troca e compra de livros.

A protecção do meio ambiente, tira BD 2, A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Ano: início de 1990
  • A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Autor: João G. da Graça

Essa dinâmica despertou em muitos jovens na altura o desejo de criar Banda Desenhada e lá em casa o primeiro a fazer páginas em BD foi o meu irmão Carlos. Ele desenhava muito bem e a sua perícia me inspirou e eu também lá fui ensaiando algumas páginas. No Liceu haviam outros rapazes que também cultivavam essa tendência.

Ao longo dos anos fui encontrando com pessoas que tinham também um grande amor pela Banda Desenhada e que também passaram por esta experiência de criar histórias em quadrinhos, é o caso do meu primo Emanuel Ribeiro e do meu amigo José Fonseca (Zé Leopardo) com quem fiz a minha primeira exposição de desenhos e pinturas em 1997 no Centro Cultural de Mindelo, nessa exposição a técnica predominante era tinta da china sobre papel.

A protecção do meio ambiente, tira BD 3, A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Ano: início de 1990
  • A preocupação com a preservação do meio ambiente (um concurso na Alliance Française Mindelo)
  • Autor: João G. da Graça

Muitos de nós da geração de 60 passamos por essa experiência das histórias em quadrinhos. Na época não tínhamos Internet nem Vídeo Jogos. Filmes para a nossa idade só passavam em alguns domingos e feriados nas duas Salas de Cinema existentes: Cine Eden Park e Cine Miramar e algumas crianças/adolescentes só iam ao cinema no dia de Natal, 1 de Janeiro ou Domingo de Páscoa. Enfim, outra época.

quarta-feira, 15 de março de 2023

Esperando Peixe

Nas imediações do Pelourinho de Peixe ou noutras zonas piscatórias por vezes as pessoas se amontoam esperando peixe que compram e muitos preferem entregar o peixe a um amanhador que cobra por kilo de peixe amanhado.

Este trabalho resultou de impressões captadas em alguns locais onde descarregam peixe e no Pelourinho de Peixe de Mindelo sentindo o ambiente e toda essa movimentação.

Óleo sobre tela, título: Esperando Peixe, autor: João Gomes da Graça
  • Título: Esperando Peixe
  • Técnica: Óleo Sobre Tela
  • Autor: João G. da Graça

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Buldónhe, termo muito nosso

Não sei bem qual a origem da palavra "buldónhe", palavra essa que desde pequeno vim habituado a ouvir da boca das pessoas quando apresentava alguma das minhas criações de vária natureza ou quando apresentava uma solução para um devido problema de natureza prático. Será que essa palavra é de origem inglesa (bulk + done?) e foi adulterada para criolo?

Na verdade cresci num ambiente onde haviam pessoas muito habilidosas aos quais também chamavam de buldónhe e aqui cito os nomes de Antonim (popularmente conhecido por Antonim Latinha) a quem considero meu primeiro mestre, também o Bitim outro a quem considero meu segundo mestre, pai de um amigo de infância a quem chamávamos Djunga e ele também outro buldónhe. O Antonim era um pouco de tudo: Funileiro, sapateiro, carpinteiro e o Bitim era também um pouco de tudo. Eram todos quase totalmente autónomos e há alguns anos pensei que as gerações de buldónhe haviam acabado dado ao interesse dos jovens por outras coisas mas após conhecer uma criança (o Lucas) a quem posso chamar de meu enteado, que na altura penso que teria 9 anos e já criava coisas interessantes ficou-me a ideia de que os novos ventos de tecnologias alienantes não vão acabar com as gerações de buldónhe.

Também me surpreendi com o César (meu primo por afinidade) que também se manifestou como sendo buldónhe pela multiplicidade de coisas que ele faz e com outro primo meu o Newton e também com a minha irmã Tchicau, e algumas outras pessoas nas quais identifiquei essa tendência, alguns talvez em menor grau.

Posteriormente vim a conhecer outros buldónhes como sendo o meu amigo Jean de Dieu, Ti Nênê, meu amigo Tony (EICM) também ele multifacetado, Totoi (antigo colega de trabalho), Zé Torneiro (também antigo colega de trabalho), Mateus Monteiro (um amigo de longa data) faz pintura artística, criação de móveis, réplica em miniaturas de alguns navios antigos que faziam a ligação entre as ilhas e também um apaixonado por mecânica e trabalhos de Bate-chapa. Como o círculo no qual me circulo é muito pequeno, por esse número de buldónhes que eu apresentei aqui poderia depreender que o ser buldónhe é uma característica própria do nosso povo, da nossa condição de ilhéu e da nossa condição económica, condições essas que nos levam a ser criativos e a nos aventurarmos em campos diversos nessa necessidade de nos desenrrascarmos, então podemos concluir com isso que quase todos os Cabo-verdianos são buldónhes uns mais do que outros? será isso? ou será uma habilidade nata?

Assim sendo penso que vários outros buldónhes devem existir por este Cabo Verde. Depreendo que muitos buldónhes passaram pela Escola Técnica de Mindelo, outros por razões diversas não tiveram essa oportunidade.

Talvez devêssemos levar a sério esta palavra buldónhe e instituir um dia como sendo o dia do buldónhe e dever-se-ia prestar atenção às crianças com essa tendência e investir nelas com programas criados por buldónhes que se tornaram em Buldónhes-científicos.

quinta-feira, 11 de agosto de 2022

Numa Corrente de Amor

"Numa Corrente de Amor", óleo sobre tela de João da Graça

As flores desabrocharam da crista das ondas. Do fundo do mar saía uma maviosa canção e ao largo apareceram sulcos que aos poucos vinham-se aproximando na indefinição do horizonte distante. A medida que a distancia tornava-se insignificante as formas vinham-se revelando. Fizeram um circulo ao largo e começaram a rodar no sentido dos ponteiros do relógio enquanto ouvia-se a canção que se tornava cada vez mais bela, mais audível. Da terra os adultos viam as crianças inquietas circulando de um lado para o outro murmurando coisas ao ouvido umas das outras. Essa canção só era audível pelas crianças e também pelas formas que se aproximavam. Juntaram-se, fizeram também um grande círculo e começaram a rodar no sentido contrário aos ponteiros do relógio. Os anciãos viam os círculos da roda no mar e na terra e questionaram do porque dessa roda e da alegria dessas crianças...também questionaram a razão desse movimento em sentidos contrários, mas após uma leve reflexão chegaram a conclusão que os movimentos contrários criam pontos de encontro, pontos de contacto no espaço e desenvolve uma energia altamente renovável. Os círculos se aproximavam como que atraídos por uma energia maior ( a energia do amor ), a canção tornava-se ainda mais audível. Era tardinha, o sol punha-se no horizonte e pintava acasalando em harmonia o céu e a vasta extensão de água com cores alegres que também vibravam ao ritmo dessa canção dos Deuses. As nuvens sorriam e atiravam beijos à Terra. Dos outros extremos do arquipélago vinham beijos transportados na crista das ondas e afagos vindo ao sabor da brisa. Os pássaros marinhos não ficaram indiferentes a essa onda de amor e também juntaram-se à festa e voavam de um círculo ao outro tocando ao de leve com as suas asas coloridas ora as crianças, ora esses seres que se aproximavam cada vez mais da praia como que lhes atribuindo uma bênção vinda dos Céus. A medida que se aproximavam da praia descortinavam-se as formas... eram formas elípticas convexas. Furei o protocolo do momento e me aproximei a fim de enxergar de perto essa maravilha e saber de que era composto o círculo marinho e não tardei a aperceber-me de que esses seres que vinham devorando a distância entre o mar aberto e a praia eram umas tartarugas. As crianças dirigiam-se também elas à praia. Era como se tivessem marcado ali um encontro, uma reunião para decidir coisas importantes (o futuro da Terra). Dessa corrente de amor sairiam por certo decisões e acções e atomizariam esse amor a todos os cantos do mundo para que outras crianças e representantes dos animais dele pudessem desfrutar e então...só então partilhariam com os adultos essa força invencível.

Vejo sempre formas emergindo do meio da Baía do Porto Grande! Essas formas assumem plasticidade diversa. Mas também escuto sempre música no ar. As vezes acompanho essa música com um ligeiro assobiar introduzindo notas soltas perceptíveis por ouvidos sensíveis. Essas imagens e sons me perseguem em sonhos e neles coexistem outros odores e sabores de Cabo Verde.

Se penetrássemos no mundo das crianças por certo aprenderíamos muito e traçaríamos uma nova arquitectura do mundo e uma nova estabilidade. Não nos puxariam pelas orelhas mas nos mirariam nos olhos e com a doçura da voz que lhes é peculiar e sua pureza de cristal nos ensinariam os meandros desse mundo que para nós esfumou-se com a nossa entrada no mundo adulto, mundo esse em que nos julgamos sábios...vividos...experientes, mas que nos escapam coisas simples da vida. Me embriago no sorriso de uma criança. Uma embriaguez não etílica, essa doce embriaguez que nos faz sentir o seu mundo e nos desperta de novo para o sonho... sonhar sem as limitações do adulto.

Que as flores continuem desabrochando na crista das ondas.

By João Gomes da Graça em 20/02/2011 in terrAterra

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

O Tempo dos Tempos

"O Tempo dos Tempos", óleo sobre tela de João da Graça

Rufam os tambores dos tempos num só tempo e juntam-se as guerras do mundo numa só guerra onde os militares se desfilam em cumprimento de ordens/desordens onde os lobos tiram pedaços da Terra e encurtam/amputam sonhos/amores/laços. Homens vindo de homens/mulheres, Mulheres vindo de mulheres/homens PRECISA-SE || Homens vindo de Mulheres && Mulheres vindo de Mulheres PRECISAM-SE. Nasceu a alvorada, todos à rua saíram e juntos caminharam, das fardas se desnudaram e com elas fizeram uma fogueira que como tocha olímpica uniu os quatro cantos do mundo num só canto e entoando cantos de amor à volta da fogueira de mãos dadas dançaram e dançaram até o final dos tempos e nos desertos nasceram flores e viçosos frutos.

Num dia claro soou o clarim e cada um colheu uma flor que como a primeira chama da primeira vela foi conservada e repassada ao longo dos tempos em cada tempo até ao próximo tempo de um só tempo.

quarta-feira, 30 de março de 2022

Figuras em aguarela e em guache, início da década de 90, da cabeça ao papel

Carpinteiros Consertando Bote
  • Título: Carpinteiros Consertando Bote
  • Técnica Mista: Guache sobre papel e tinta da China
  • Autor: João G. da Graça
Pensador de Praia de Bote
  • Título: Pensador de Praia de Bote
  • Técnica: Aguarela sobre Papel Canson
  • Autor: João G. da Graça
Pensador na Roda de Grog
  • Título: Pensador na Roda de Grog
  • Técnica: Aguarela sobre Papel Cavalinho
  • Autor: João G. da Graça