quarta-feira, 18 de novembro de 2009

C'mida d'Ónje (Comida de Anjo)

C'MIDA D'ÓÓÓÓÓÓÓNNNJEEE!!! É como se eu estivesse ouvindo o grito melodioso  (é mesmo, a música sempre presente na vida do cabo-verdiano) ecoando entre a criançada neste momento em que estou escrevendo este post. Evoco as imagens das crianças correndo em direcção à casa aonde havia a comida de anjo, as marmitas estendidas, ou mesmo canecos; algumas levavam recipientes bem grandes em nome de todas as crianças da casa, outras já eram bem crescidas e os adultos as chamavam de “anjos de cabelo” em referencia às “crianças” que haviam deixado de ser crianças pois já se encontravam na fase da puberdade (daí o anjo de cabelo). São memórias que não se apagam pois fizeram parte da minha infância e da de muitos destas ilhas. Era um hábito em algumas famílias oferecerem comida às crianças (anjos) num determinado dia do ano. Cada família tinha o seu dia. Davam comida de anjo para cair nas graças de Deus, dos Santos, ou quem sabe...pelo puro prazer filantrópico de em um dia do ano dar de comer às crianças da zona e todas as crianças que por lá aparecessem. A comida de anjo (c'mida d'onje) também estava e está ligada a promessas feitas a algum Santo, onde que ao alcançar o pedido feito à Divindade a pessoa fica em dívida para com o Santo e nesse caso paga a dívida oferecendo comida de anjo ao logo de um determinado número de anos de acordo com a promessa feita no momento do pedido do favor ao Santo. Penso que essa oferenda aos Santos é feita através das crianças porque acredita-se que as crianças são puras, não têm pecado (são Anjos) e por isso representam a ligação do pecador com o ser Divino ou o Santo a quem se paga a promessa. Acontecia quase sempre à hora do almoço e geralmente era uma cachupada com peixe, carne seca de porco e toucinho. 

                          "C'mida d'Ónje" de João da Graça, óleo, 130x97cm, ano de 2003

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Quarteto de Vendedeiras

As vozes fazem-se ouvir nas ruas de Mindelo. Há uma musicalidade nas vozes das mulheres chamando os potenciais fregueses. Cada bandeja, cada balaio uma mistura de várias cores; cada mulher, cada vendedeira um timbre de voz. As vezes clamam em uníssono outras vezes se revezam e ouvem-se as vozes (soprano, contralto) e vêm-se os balaios e as bandejas (cores do arco íris). Ouve-se a voz musical: Compram banaaaaanaaa!!! Outras clamam melodiosamente: Olííí tuumaaaate!!!
São as nossas ruas com as suas cores e as nossas mulheres batalhando (outra frente de batalha), entrincheiradas numa das esquinas da Cidade de Mindelo.
                          "Quarteto de Vendedeiras", de João da Graça, óleo, 130x97cm, ano 2003