quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Música na alma do cabo-verdiano

Memórias. As tardes e noites de Mindelo eram cheias de música nas zonas periféricas. Era só alguém aparecer com um violão para se iniciar a tocatina, pois outros iam buscar os seus instrumentos e ao ar livre num ambiente onde toda a gente denotava alegria e boa disposição as Mornas e Coladeiras desfilavam. Cada um cantava uma música e todos faziam coro. Eu apreciava imenso esses momentos e principalmente os gestos de um dos cantores quando já ia na última estrofe da morna (na cauda d'um morna). Parecia que entrava em transe e a sua linda voz se elevava para depois baixar quase num sussurro. Os aplausos aconteciam e o grogue e ponche circulava entre os tocadores e público. Assim iam as noites.

                           "Na cauda d'um morna" de João da Graça. Óleo, 130x97cm, ano 2003.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A chegada dos botes

Muitos chegam à tardinha após a labuta do dia que inicia-se bem cedo, mas também há outros que chegam bem cedo, logo de manhã. Na Praia dos Botes algumas pessoas aguardam. Lá estão também aqueles que têm um bote como casa e as estrelas como lençol, e também há os curiosos e as vendedeiras de peixe. Ao fundo da Praia dos Botes, no outro extremo, em direcção aonde o sol se esconde e lança essa matiz dourada encontra-se o Monte Cara. Na praia exala-se o cheiro a mar, a marisco e também a podridão. Alguns dos presentes exibem naturalmente os seus corpos musculosos, músculos talhados no dia a dia de labor; outros também naturalmente exibem aquele que foi em tempos um corpo musculoso mas que ora evidencia os ossos debaixo da pele ressequida pelo sol. Todos juntos arrastam o bote nun gesto de solidariedade. É este o cenário da chegada dos botes.

                    "Junt nôs ê mdjôr" de João da Graça, ano 2003, óleo, 130x97 cm

terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Repouso dos Heróis

Em homenagem aos nossos antigos marinheiros e também a muitos dos nossos actuais, àqueles que antes em condições precárias de navegação sulcavam os nossos mares unindo as ilhas; também àqueles que sempre retiraram do mar o seu sustento seja na pesca ou na navegação de ligação das ilhas ou aqueles que emigraram e sempre  mantiveram-se ligados à Terra Mãe, enviando as remessas que tanto ajudaram e ajudam a Cabo Verde. O Repouso dos Heróis...momento em que os sonhos se desfilam na abstração do espaço...se recordam de aventuras passadas e projectam o futuro.  


"O Repouso dos Heróis" óleo sobre tela, ano 2003, João da Graça

O que é então a arte?

Para mim, a arte é a representação do belo e o artista aquele que tem o poder ou o dom de representar o belo. O belo para mim é todo aquilo que nos toca no fundo da alma e nos transmite uma sensação de prazer diferente, um prazer que equivale a uma carícia na alma, a um orgasmo espiritual. O belo representado não carece de explicação pois da mesma forma que a sensação do belo  está para além dos cinco sentidos o ser que contempla a representação do belo também sente que está perante algo que transcende os cinco sentidos, pois o belo toca a alma. Toda a tentativa de explicar a representação do belo numa obra de arte não passará neste caso de pura demagogia ou marketing de compensação ao que falta à suposta arte. Cada espectador sente a arte a sua maneira. A intensidade de sentimentos que uma pessoa sente perante uma obra de arte difere de pessoa para pessoa e isto sempre acontece logo ao primeiro contacto com a obra, portanto explicar a obra seria tentar apagar a livre forma de sentir do espectador e impingir uma forma elaborada com base em suposta intelectualidade. Nessa base (a da suposta intelectualidade) quem não entende a arte seria um ignorante. A contemplação da arte deve ser de uma forma livre, sem se estar preso a dogmas, a ideias pré concebidas, a correntes artísticas ou prisão mental de qualquer outra natureza. Deixemos fluir a nosso próprio sentir.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

A arte

As definições da arte são diversas e muitas vezes de acordo com a época. Cada época há de certa forma uma definição ou definições que se ajustam a vários factores como sendo factores de ordem social e tecnológico. Isto quer dizer que a medida que novos caminhos são desbravados na tecnologia, o que impulsiona transformações de ordem sócio-económico e origina uma nova forma de ver o mundo e tudo o que nos rodeia os nossos conceitos vão-se mudando e adaptando-se à nova realidade. Tudo isso tem também implicação na nossa forma de vida, e como não podia deixar de ser também implica numa nova abordagem das coisas do espírito como a arte.