Os rosários enchem de cor os balaios nas festas de S. João. Esses colares (rosário) são feitos com matéria prima diversa, desde farinha de trigo na confeção de roscas pequenas e pãezinhos também pequenos a mancarra e midge ilhód (mais modernamente pipocas), nos quais se enfia um fio de linho, costuma ser nylon e entre os elementos comestíveis se coloca tiras de papel colorido onde cada pessoa que faz o rosário põe o seu estilo
Pequenas coisas que me fazem lembrar pedaços da minha infância. Nha Djodja era comadre da minha avó e ela fazia rosários, bolos, cavacas, bolos de mel, roscas, docinhos de côco, pastéis, croquetes e um monte mais de petiscos e guloseimas. Costumavam chamá-la para fazer bolos de mais de um andar para festas de casamento e ela fazia o buffet completo, desde petiscos ao resto. Ela é que fez as coisas para a festa de casamento da minha mãe com o meu padrasto.
Nha Djodja era muito conhecida pelo seu trabalho. Todos os anos ela ia à Ribeira de Julião e tinha lá a sua mesa e vários balaios coloridos com rosários e também rosários pendurados. Vendia refrescos e aquele groguinha e torresmos, tchurice e linguiça, pontche também não faltava. Todos os anos eu ia com a minha mãe e meus irmãos à Ribeira de Julião e um dos pontos de paragem obrigatória era na Nha Djodja, ela costumava ficar logo à entrada da zona de festas. Também íamos à barraca da tia Vitória onde também havia rosários e serviam milho em grão, bebidas e bafas (petiscos). A Didida, minha tia por afinidade também vendia rosários e um famoso pastel de milho e também vendia grogue, tchorresc (torresmo), pontche e refrescos. Também costumávamos comprar nela. A Didida ia sempre acompanhada do seu marido o Ti Júl, um exímio tocador e fazedor de tambores, as vezes assistia o Ti Júl a fazer tambores.
Várias outras mulheres aproveitavam o dia de S. João para aumentar o rendimento da família e montavam barracas ou se instalavam num espaço com os seus balaios onde quase nunca faltavam rosários.
A minha mãe comprava um rosário para cada um de nós na Nha Djodja e lá íamos com os nossos coloridos colares ao pescoço.
Que me lembre, a primeira vez que vivenciei a experiência de uma festa de S. João eu tinha na altura sete anos de idade. Foi em Porto Novo, Santo Antão. A minha tia (casada com o irmão da minha avó) que lá morava, convenceu a minha mãe que me deixasse ir com ela. Também foi a primeira vez que saí de S. Vicente. Viajamos no navio Carvalho. Segundo dizem esse navio era mais estável, dava menos balanço. Acho que fui marinheiro nessa viajem, pois não enjoei. Quando chegamos em casa o que mais me surpreendeu foi a sua situação. Ficava a poucos metros do mar, em certas horas as ondas desquebravam e salpicos de água salgada chegavam à varanda. Levei algum tempo para me habituar, pricipalmente no momento de dormir.
Chegou o dia de S. João. Muitas pessoas vindas de longe se alojaram na casa dos meus tios. O filho mais jovem deles me levou a passear por Porto Novo e eu fiquei impressionado com essa enchente de gente e com os tamboreiros e todo esse colorido dos Rosários e as pessoas colando Sanjom ao ritmo cadenciado dos tambores, mulheres e homens movendo-se graciosamente entre recuo e avanço em cadência de quatro: um, dois, três... e quatro cola na pic, no quarto tempo o par avança a pélvis e as zonas púbicas se tocam, repetindo de novo essa cadência. Muitos se entram aparentemente num estado de transe, coladeiras e tocadores todos exibindo os seus Rosários nos movimentos cadenciados do tocar e colar.
Meu jovem tio me comprou um Rosário e fomos passeando de mesa em mesa e de barraca em barraca comprando guloseimas e bebendo calda fresca de cana de açúcar e bandói. Eu considerava o bandói um simples refresco, mas após alguns copos comecei a sentir um certo efeito. Ao chegarmos em casa meus tios ralharam com ele. Depois vim a saber que o Bandói era feito da calda de cana de açúcar com o qual faziam grogue.
Eu adorava essas festas e essa experiência no Porto Novo coloriu a minha infância. Hoje ainda vou às festas de romaria e ainda costumo comprar rosários e como que continuando uma tradição agora compro para mim e meus filhos.
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