terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Bombons de fragmentações Múltiplas

imagem de fogo de artifício rico em cores e beleza, azuis, laranja, lilazes, brancos, verdes, enfim as cores do arco íris.

São 00:00 do dia 24 de Dezembro do ano 20??, sentiu-se um ruído de mísseis cortando o ar e o céu encheu-se de raios de luz após vários estrondos que se assemelhavam ao rufar cadenciado de tambores que qual fogo de artifício com todas as cores do arco íris espalhou-se pelo ar após a fragmentação das bombas por eles carregados.

Logo a seguir ao movimento de ascensão, inexplicavelmente os raios começaram a descer em movimento de câmera lenta e foram-se dirigindo em direção a casas, parques e pessoas, até entrar pelas portas e janelas esses raios conseguiam e também aconchegar nos leitos de crianças e adultos que mesmo no meio de tanto alvoroço não lograram despertar.

Perguntava-se que tecnologia havia sido empregue para direcionar esses fragmentos com precisão cirúrgica, milimétrica e inclusive identitária. Desta vez o alvo era a população carenciada, pessoas sem trabalho, crianças de rua e na rua, pessoas despidas de recursos, com sonhos cujos bolsos alcançar não ajudavam, crianças que sonhavam com um futuro de oportunidades no meio de tanta incerteza. Desta vez o alvo foi a população que estava à margem das atenções dos que deles deviam cuidar.

No início ouviam-se gritos histéricos, de terror, horror e nas suas mentes o fio da vida ia-se estreitando enquanto pensavam no Juízo Final em pleno Natal.

No meio de toda essa confusão e atropelos entre luzes de várias cores elevando-se e descendo, estranhamente começaram-se a ouvir gritos que se diferenciavam do horror, terror e sentia-se nitidamente essa transição que como música ia saindo dos pulmões das pessoas entrando gradualmente no espírito Natalício e começaram elas a dirigirem-se em direcção a essas luzes que antes medo lhes metia. O estranho é que muitas dessas luzes se esquivavam gentilmente dos que as perseguiam e dirigiam-se suavemente para outras pessoas como se tivessem os seus endereços e também reconhecimento facial. Não restam dúvidas que eram bombas portadoras de raios inteligentes com registo de identidade para não falharem o alvo.

25 de Dezembro de 20??, a agitação era tanta, pessoas eufóricas, sorrisos largos nos rostos de crianças, adultos e até dos animais de estimação. Mesas fartas em várias casas, crianças com educação paga até preparadas estarem para ajudar outras crianças na construção dos seus sonhos. Vários bolsos de adultos também alcançaram o poder de realização dos sonhos adormecidos.

25 de Dezembro de 30??, não existe mais pobreza, as crianças de 20??, construtores de 30?? ganharam uma mentalidade diferente, as tecnologias jamais foram desenvolvidas no sentido de destruição mas sim de construção, há mais sorrisos pelas ruas, até cães vadios desapareceram e passeavam eles também felizes com os seus cuidadores.

Constam dos relatórios dos serviços de contrainteligência mundial que essas magníficas bombas de fragmentação eram portadoras de prendas, direcionadas às pessoas carenciadas de todo o mundo e lhes apelidaram de Bombons de Fragmentações Múltiplas, e no final dos documentos há uma ressalva: …não sendo bombas de destruição, aconselha-se a continuidade da ofensiva benéfica sempre que o trabalho das crianças de 20?? seja comprometido e corra risco de reversão, mas que haja supervisão para combater a tendência à preguiça. CARIMBO

sábado, 15 de junho de 2024

Reminiscências em ritmo das Romarias

Os rosários enchem de cor os balaios nas festas de S. João. Esses colares (rosário) são feitos com matéria prima diversa, desde farinha de trigo na confeção de roscas pequenas e pãezinhos também pequenos a mancarra e midge ilhód (mais modernamente pipocas), nos quais se enfia um fio de linho, costuma ser nylon e entre os elementos comestíveis se coloca tiras de papel colorido onde cada pessoa que faz o rosário põe o seu estilo

Pequenas coisas que me fazem lembrar pedaços da minha infância. Nha Djodja era comadre da minha avó e ela fazia rosários, bolos, cavacas, bolos de mel, roscas, docinhos de côco, pastéis, croquetes e um monte mais de petiscos e guloseimas. Costumavam chamá-la para fazer bolos de mais de um andar para festas de casamento e ela fazia o buffet completo, desde petiscos ao resto. Ela é que fez as coisas para a festa de casamento da minha mãe com o meu padrasto.

Nha Djodja era muito conhecida pelo seu trabalho. Todos os anos ela ia à Ribeira de Julião e tinha lá a sua mesa e vários balaios coloridos com rosários e também rosários pendurados. Vendia refrescos e aquele groguinha e torresmos, tchurice e linguiça, pontche também não faltava. Todos os anos eu ia com a minha mãe e meus irmãos à Ribeira de Julião e um dos pontos de paragem obrigatória era na Nha Djodja, ela costumava ficar logo à entrada da zona de festas. Também íamos à barraca da tia Vitória onde também havia rosários e serviam milho em grão, bebidas e bafas (petiscos). A Didida, minha tia por afinidade também vendia rosários e um famoso pastel de milho e também vendia grogue, tchorresc (torresmo), pontche e refrescos. Também costumávamos comprar nela. A Didida ia sempre acompanhada do seu marido o Ti Júl, um exímio tocador e fazedor de tambores, as vezes assistia o Ti Júl a fazer tambores.

Várias outras mulheres aproveitavam o dia de S. João para aumentar o rendimento da família e montavam barracas ou se instalavam num espaço com os seus balaios onde quase nunca faltavam rosários.

A minha mãe comprava um rosário para cada um de nós na Nha Djodja e lá íamos com os nossos coloridos colares ao pescoço.

Que me lembre, a primeira vez que vivenciei a experiência de uma festa de S. João eu tinha na altura sete anos de idade. Foi em Porto Novo, Santo Antão. A minha tia (casada com o irmão da minha avó) que lá morava, convenceu a minha mãe que me deixasse ir com ela. Também foi a primeira vez que saí de S. Vicente. Viajamos no navio Carvalho. Segundo dizem esse navio era mais estável, dava menos balanço. Acho que fui marinheiro nessa viajem, pois não enjoei. Quando chegamos em casa o que mais me surpreendeu foi a sua situação. Ficava a poucos metros do mar, em certas horas as ondas desquebravam e salpicos de água salgada chegavam à varanda. Levei algum tempo para me habituar, pricipalmente no momento de dormir.

Chegou o dia de S. João. Muitas pessoas vindas de longe se alojaram na casa dos meus tios. O filho mais jovem deles me levou a passear por Porto Novo e eu fiquei impressionado com essa enchente de gente e com os tamboreiros e todo esse colorido dos Rosários e as pessoas colando Sanjom ao ritmo cadenciado dos tambores, mulheres e homens movendo-se graciosamente entre recuo e avanço em cadência de quatro: um, dois, três... e quatro cola na pic, no quarto tempo o par avança a pélvis e as zonas púbicas se tocam, repetindo de novo essa cadência. Muitos se entram aparentemente num estado de transe, coladeiras e tocadores todos exibindo os seus Rosários nos movimentos cadenciados do tocar e colar.

Meu jovem tio me comprou um Rosário e fomos passeando de mesa em mesa e de barraca em barraca comprando guloseimas e bebendo calda fresca de cana de açúcar e bandói. Eu considerava o bandói um simples refresco, mas após alguns copos comecei a sentir um certo efeito. Ao chegarmos em casa meus tios ralharam com ele. Depois vim a saber que o Bandói era feito da calda de cana de açúcar com o qual faziam grogue.

Eu adorava essas festas e essa experiência no Porto Novo coloriu a minha infância. Hoje ainda vou às festas de romaria e ainda costumo comprar rosários e como que continuando uma tradição agora compro para mim e meus filhos.