C'MIDA D'ÓÓÓÓÓÓÓNNNJEEE!!! É como se eu estivesse ouvindo o grito melodioso (é mesmo, a música sempre presente na vida do cabo-verdiano) ecoando entre a criançada neste momento em que estou escrevendo este post. Evoco as imagens das crianças correndo em direcção à casa aonde havia a comida de anjo, as marmitas estendidas, ou mesmo canecos; algumas levavam recipientes bem grandes em nome de todas as crianças da casa, outras já eram bem crescidas e os adultos as chamavam de “anjos de cabelo” em referencia às “crianças” que haviam deixado de ser crianças pois já se encontravam na fase da puberdade (daí o anjo de cabelo). São memórias que não se apagam pois fizeram parte da minha infância e da de muitos destas ilhas. Era um hábito em algumas famílias oferecerem comida às crianças (anjos) num determinado dia do ano. Cada família tinha o seu dia. Davam comida de anjo para cair nas graças de Deus, dos Santos, ou quem sabe...pelo puro prazer filantrópico de em um dia do ano dar de comer às crianças da zona e todas as crianças que por lá aparecessem. A comida de anjo (c'mida d'onje) também estava e está ligada a promessas feitas a algum Santo, onde que ao alcançar o pedido feito à Divindade a pessoa fica em dívida para com o Santo e nesse caso paga a dívida oferecendo comida de anjo ao logo de um determinado número de anos de acordo com a promessa feita no momento do pedido do favor ao Santo. Penso que essa oferenda aos Santos é feita através das crianças porque acredita-se que as crianças são puras, não têm pecado (são Anjos) e por isso representam a ligação do pecador com o ser Divino ou o Santo a quem se paga a promessa. Acontecia quase sempre à hora do almoço e geralmente era uma cachupada com peixe, carne seca de porco e toucinho.
"C'mida d'Ónje" de João da Graça, óleo, 130x97cm, ano de 2003Neste espaço proponho apresentar trabalhos de desenho e pintura, bem como fazer alguma incursão em versos e prosas. João da Graça é um pintor autodidacta de Cabo Verde, que vive e trabalha em Mindelo, ilha de São Vicente.
quarta-feira, 18 de novembro de 2009
segunda-feira, 9 de novembro de 2009
Quarteto de Vendedeiras
As vozes fazem-se ouvir nas ruas de Mindelo. Há uma musicalidade nas vozes das mulheres chamando os potenciais fregueses. Cada bandeja, cada balaio uma mistura de várias cores; cada mulher, cada vendedeira um timbre de voz. As vezes clamam em uníssono outras vezes se revezam e ouvem-se as vozes (soprano, contralto) e vêm-se os balaios e as bandejas (cores do arco íris). Ouve-se a voz musical: "Compram banaaaaanaaa!!!" (Compre bananas!) Outras clamam melodiosamente: "Olííí tuumaaaate!!!" (Compre tomates!)
São as nossas ruas com as suas cores e as nossas mulheres batalhando (outra frente de batalha), entrincheiradas numa das esquinas da Cidade de Mindelo.
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
Música na alma do cabo-verdiano
Memórias. As tardes e noites de Mindelo eram cheias de música nas zonas periféricas. Era só alguém aparecer com um violão para se iniciar a tocatina, pois outros iam buscar os seus instrumentos e ao ar livre num ambiente onde toda a gente denotava alegria e boa disposição as Mornas e Coladeiras desfilavam. Cada um cantava uma música e todos faziam coro. Eu apreciava imenso esses momentos e principalmente os gestos de um dos cantores quando já ia na última estrofe da morna (na cauda d'um morna). Parecia que entrava em transe e a sua linda voz se elevava para depois baixar quase num sussurro. Os aplausos aconteciam e o grogue e ponche circulava entre os tocadores e público. Assim iam as noites.
"Na cauda d'um morna" de João da Graça. Óleo, 130x97cm, ano 2003.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A chegada dos botes
Muitos chegam à tardinha após a labuta do dia que inicia-se bem cedo, mas também há outros que chegam bem cedo, logo de manhã. Na Praia dos Botes algumas pessoas aguardam. Lá estão também aqueles que têm um bote como casa e as estrelas como lençol, e também há os curiosos e as vendedeiras de peixe. Ao fundo da Praia dos Botes, no outro extremo, em direcção aonde o sol se esconde e lança essa matiz dourada encontra-se o Monte Cara. Na praia exala-se o cheiro a mar, a marisco e também a podridão. Alguns dos presentes exibem naturalmente os seus corpos musculosos, músculos talhados no dia a dia de labor; outros também naturalmente exibem aquele que foi em tempos um corpo musculoso mas que ora evidencia os ossos debaixo da pele ressequida pelo sol. Todos juntos arrastam o bote nun gesto de solidariedade. É este o cenário da chegada dos botes.
"Junt nôs ê mdjôr" de João da Graça, ano 2003, óleo, 130x97 cm
terça-feira, 20 de outubro de 2009
O Repouso dos Heróis
Em homenagem aos nossos antigos marinheiros e também a muitos dos nossos actuais, àqueles que antes em condições precárias de navegação sulcavam os nossos mares unindo as ilhas; também àqueles que sempre retiraram do mar o seu sustento seja na pesca ou na navegação de ligação das ilhas ou aqueles que emigraram e sempre mantiveram-se ligados à Terra Mãe, enviando as remessas que tanto ajudaram e ajudam a Cabo Verde. O Repouso dos Heróis...momento em que os sonhos se desfilam na abstração do espaço...se recordam de aventuras passadas e projectam o futuro.
"O Repouso dos Heróis" óleo sobre tela, ano 2003, João da Graça
O que é então a arte?
Para mim, a arte é a representação do belo e o artista aquele que tem o poder ou o dom de representar o belo. O belo para mim é todo aquilo que nos toca no fundo da alma e nos transmite uma sensação de prazer diferente, um prazer que equivale a uma carícia na alma, a um orgasmo espiritual. O belo representado não carece de explicação pois da mesma forma que a sensação do belo está para além dos cinco sentidos o ser que contempla a representação do belo também sente que está perante algo que transcende os cinco sentidos, pois o belo toca a alma. Toda a tentativa de explicar a representação do belo numa obra de arte não passará neste caso de pura demagogia ou marketing de compensação ao que falta à suposta arte. Cada espectador sente a arte a sua maneira. A intensidade de sentimentos que uma pessoa sente perante uma obra de arte difere de pessoa para pessoa e isto sempre acontece logo ao primeiro contacto com a obra, portanto explicar a obra seria tentar apagar a livre forma de sentir do espectador e impingir uma forma elaborada com base em suposta intelectualidade. Nessa base (a da suposta intelectualidade) quem não entende a arte seria um ignorante. A contemplação da arte deve ser de uma forma livre, sem se estar preso a dogmas, a ideias pré concebidas, a correntes artísticas ou prisão mental de qualquer outra natureza. Deixemos fluir a nosso próprio sentir.
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
A arte
As definições da arte são diversas e muitas vezes de acordo com a época. Cada época há de certa forma uma definição ou definições que se ajustam a vários factores como sendo factores de ordem social e tecnológico. Isto quer dizer que a medida que novos caminhos são desbravados na tecnologia, o que impulsiona transformações de ordem sócio-económico e origina uma nova forma de ver o mundo e tudo o que nos rodeia os nossos conceitos vão-se mudando e adaptando-se à nova realidade. Tudo isso tem também implicação na nossa forma de vida, e como não podia deixar de ser também implica numa nova abordagem das coisas do espírito como a arte.
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